18 de junho de 2022
Cidadão pacato, voto sangrento
Você é um cidadão pacato, cumpridor dos seus deveres, obediente à lei, que se
indigna com a corrupção e com tudo isso que está aí. Você está cansado das
mentiras do governo, não confia mais em políticos; em nenhum deles. Então surge
um sujeito que diz que (coincidência!) vai acabar justamente com a “corrupção e
com tudo isso que está aí.” O sujeito parece remar contra a maré, é contra o
politicamente correto, diz o que pensa, não está nem aí para o que os outros vão
pensar. Por mais que o que ele pense seja um desrespeito a negros, homossexuais,
mulheres e indígenas, você acha que são apenas palavras, e que palavras não
matam ninguém. Ele diz ser defensor da família, e você se orgulha de ter um
representante assim, pois concorda que não há nada mais sagrado do que a sua
família. Pronto, você tem um candidato digno à presidência!
E então você olha para o lado e vê quem mais está com você nesse apoio, quem
mais se sentiu atraído pelo seu discurso: neonazistas, assassinos de índios,
desmatadores, sonegadores milionários, fazendeiros escravagistas. Olha para o
outro lado, e nessa massa de fãs do seu candidato, há gente que que acredita que
gays não são merecedores de direitos, que negros são menos humanos e que
mulheres devem obediência aos homens. O discurso do candidato faz brilhar os
olhos de quem torce para que adversários políticos sejam torturados, mesmo que
sejam mulheres grávidas ou na frente dos seus filhos. Você vê de mãos dadas com
o presidente uma turba de gente criminosa, cruel, violenta, tosca , perigosa e
excludente. E o que você faz? Finalmente enxerga que, como um apaixonado, estava
naturalmente cego aos defeitos do objeto de sua paixão? Toma consciência de que,
se essa gente está fechada com esse sujeito, há obviamente algo de MUITO errado
com ele, mesmo que você ainda não tenha dissipado sua simpatia por ele? Admite
que errou no seu julgamento e volta à dura tarefa de procurar um substituto? Se
dá conta de que o país que eles querem não pode ser o mesmo que você quer? Não.
Apesar deles, você não hesita, e diante da urna, digita 1, depois 7, e então
confirma no botão verde. Você pode contar as mentiras que quiser para se sentir
melhor, mas saiba que você nunca votou “apesar” deles, você votou COM eles, ao
lado deles, e não há álcool gel no mundo que vai limpar o sangue que hoje você
tem nas mãos.
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