18 de junho de 2022

Literatura em tempos sombrios

(com exceção do 1º parágrafo, o texto a seguir é o discurso de agradecimento durante a premiação do 3º Prêmio Ufes de Literatura, que deu ao meu livro "Pessoas partidas" o primeiro lugar ma categoria Livro de Contos) Todos sabemos que quando a palavra crise começa a pipocar pelas páginas dos jornais o primeiro investimento a ser reduzido pelos órgãos governamentais é aquele conferido à cultura. Numa rápida busca no Google, descobrimos que em Caxias do Sul, por exemplo, foram cortados mais de 70% dos investimentos em cultura por parte da administração municipal. Em Porto Alegre, em nome da “contenção de despesas”, um tradicional programa que levava escritores às escolas foi extinto pelo novo prefeito, conhecido por ser um “empreendedor”. Na gloriosa cidade de São Paulo, que se orgulha de posar de exemplo para o resto do país, programas culturais e educacionais que atingiam mais de 4 mil alunos de escolas públicas também foram cancelados. Esses cortes atingem diretamente o mundo literário e editorial. No Espírito Santo, para dar mais por exemplo, o Prêmio UFES de Literatura se encontra interrompido por falta de recursos governamentais. E esse é apenas um exemplo de premiação literária que foi abandonada por falta de recursos. Esquecem-se os governantes que o que faz um país, o que dá a sua característica, seus traços mais marcantes, o que revela sua essência, não são índices econômicos, a cotação do dólar, ou, como gostam os economistas, o preço do Big Mac, mas, sim, as manifestações culturais de um povo. Como a sua literatura. Não é tarefa fácil promover livros e a literatura em um país de não leitores, como o Brasil. Pelo contrário, é preciso ter coragem, é preciso ter ousadia para ir contra a maré do comodismo e incentivar a produção literária nacional, mas isso, hoje, é cada vez mais raro. Os eventos literários e premiações pouco a pouco vão se extinguindo pelo país. Alguém poderia perguntar: “Por que, diante da crise política, econômica e ética atual, alguém celebraria futilidades, promovendo livros de ficção, histórias inventadas, que não passam de mentiras que alguém contou?”. Se poderia se questionar ainda: “Por que, num momento em que estamos lidando com supressão de direitos, com coerção de liberdade, com a violência institucionalizada pelo Estado, pessoas promoveriam e encorajariam a fuga da realidade?” E respondo: é justamente nesses tempos sombrios, que, tudo indica, teremos pela frente, que a literatura se faz mais necessária do que nunca. Àqueles que acham que a literatura é fútil, que não passa de fuga ou escape da realidade, respondo que, quando lemos um livro, um bom livro, não fugimos da vida, pelo contrário, mergulhamos profundamente nela. O livro não nos isola, não nos afasta do mundo, bem diferente disso, ele nos aproxima uns dos outros, nos permite visitar outros mundos, outras cabeças, nos permite penetrar em outras mentes, nos colocarmos no lugar do outro, nos amarrarmos ao universo fora de nós mesmos. A literatura promove, portanto, a conexão, não o isolamento, ela instiga a empatia, tão necessária nos dias de hoje. A literatura, ao contrário do que seus críticos poderiam imaginar, se é que lhes resta alguma imaginação, lança luz sobre o obscuro, e ilumina os caminhos ainda desconhecidos da natureza humana. Como diria o escritor americano Scott Fitzgerald, com a literatura, “você descobre que seus desejos são universais”. Para aqueles que acusam a ficção de não passar de invenção, de mentira, respondo que: é sob o disfarce da ficção que se pode dizer a verdade. Essas chamadas mentiras dos ficcionistas podem carregar muito mais verdade que muitos relatos factuais, e a imprensa brasileira atual está aí para provar o que digo. Encerro este texto com uma citação do escritor argentino Alberto Manguel. Diz ele: “Os livros podem não alterar nosso sofrimento, os livros podem não nos proteger do mal, os livros podem não nos dizer o que é bom e o que é belo, e certamente não têm como nos proteger do destino comum: o túmulo. Mas os livros nos abrem miríades de possibilidades, de mudança, de iluminação. Pode bem ser que nenhum livro, por mais bem escrito que seja, consiga remover um grama de dor da tragédia do Iraque ou de Ruanda, mas pode bem ser que não haja livro, por mais mal escrito que seja, que não contenha alguma epifania para algum leitor.”

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