Como já é
tradicional em todo início de ano, publico uma lista dos melhores (e, às vezes,
dos piores) livros do ano anterior. Não é a lista de livros lançados naquele
ano, mas das minhas leituras pessoais, portanto, a lista é totalmente
subjetiva, anacrônica e atemporal. Em 2019, fiz poucas leituras (20 livros,
totalizando 5.331 páginas, com média de 15 páginas lidas por dia), o que
prejudicou a seleção, pela pequena amostra, e levou também a um paradoxo:
alguns livros constam na lista de melhores ao mesmo tempo em que estão na lista
dos piores. (Aqui as listas de 2018 e 2017)
Melhores
livros de Ficção:
1º Lugar
4321
Autor: Paul Auster
Editora: Picador
O “Great American Novel” – ou “Grande Romance Americano” – é um tipo de livro que, por meio do foco em alguns personagens, traça um ou mais momentos históricos dos EUA, com a ambição de capturar o espírito americano, com suas falhas e suas virtudes. 4321 é a primeira tentativa de Paul Auster de escrever um Grande Romance Americano. O livro acompanha a infância e a juventude de Ferguson durante algumas décadas do século XX, em todas as suas quatro vidas diferentes. Não, não se trata de reencarnação ou viagem no tempo, é somente o recurso que o autor escolheu para abarcar todas as possibilidades históricas possíveis no período. Assim, acontecimentos fortuitos, como um incêndio, uma herança, uma separação, levam o protagonista, em cada uma de suas quatro versões, a caminhos de vida bastante diversos, mas sempre com a ambição de se tornar escritor. O livro ganha o primeiro lugar por ser um trabalho monumental, não apenas pelo volume (um calhamaço de 981 páginas) mas por toda a minuciosa pesquisa envolvida para resgatar os acontecimentos históricos que servem como pano de fundo para contar as desventuras de Archie Ferguson, protagonista da obra.
2º Lugar
Meu livro violeta
Autor: Ian McEwan
Editora: Companhia das Letras
A primeira
parte de Meu livro violeta é um conto delicioso, com
todas as marcas que consagraram Ian McEwan como um dos maiores escritores vivos
do século: economia de linguagem e perfeito domínio da técnica, humor sutil,
dilemas morais, crueldade humana. O conto narra uma sensacional história de
rivalidade entre escritores.
Trecho do livro:
“Você terá ouvido falar de meu amigo Jocelyn Tarbet, um romancista que já
foi célebre, mas cuja fama, assim suspeito, começou a declinar. O tempo pode
ser cruel em matéria de reputação. Em sua lembrança ele provavelmente está
associado a um escândalo e a um ultraje já quase esquecidos. Você não teria
ouvido falar de mim, o então obscuro romancista Parker Sparrow, até o meu nome
é ser publicamente vinculado ao dele. Para um grupelho de entendidos, nossos
nomes continuam firmemente relacionados, como as duas extremidades de uma
gangorra. Sua ascensão coincidiu com o meu declínio, embora sem tê-lo causado.
Depois, sua queda foi acompanhada pelo meu triunfo na batalha de todos os dias.
Não nego que houve desonestidade. Roubei uma vida e não tenciono devolvê-la.
Você pode tratar as poucas páginas que se seguem como uma confissão.”
3º Lugar
Pssica
Autor: Edyr Augusto Proença
Editora: Boitempo
Pssica entra na lista por ser uma surpresa. O autor é um
paraense desconhecido no Brasil e reverenciado na França, país onde não apenas
teve todos os seus livros publicados como já ganhou um prêmio literário de
melhor romance. Seus temas são a vida urbana e criminosa da região Norte do
país e também de países como Guiana Francesa. Só acabei vindo a conhecer Pssica pela
propaganda que Daniel Galera fez do livro, depois que escreveu a orelha. O
retrato que Edyr faz do mundo do crime é tão explícito e cruel que chega a
causar incômodo no leitor. A crueza com que Edyr detalha certas cenas deixa
Rubem Fonseca parecendo uma menininha inocente.
Infelizmente, a capa é horrorosa
Trecho da orelha do livro:
“Uma narrativa que nem se dá ao trabalho de arrancar para depois acelerar. O
velocímetro está no vermelho no instante em que a sentença de abertura nos
informa: ‘Era para ser um dia normal’. Desse horror acelerado ao máximo
brota uma estranha poesia. Isso ocorre, talvez, porque o motor do texto é
silencioso e eficiente. Os personagens nunca deixam de ter uma desejável
ambiguidade. Vítimas e bandidos se confundem à medida que suas paixões,
sofrimentos e crueldades convergem para uma série de acertos de contas,
desencontros, fins abruptos. Mesmo nos picos de maldade, seus destinos evocam
tristeza, quando não uma incômoda empatia.”
Piores
livros de Ficção:
1º Lugar
O cavaleiro preso na armadura
Autor: Robert Fisher
Editora: Record
Não se sabe
bem por que certos livros ganham tanta repercussão. O cavaleiro preso na
armadura é uma fábula simplória de autoajuda, que talvez interesse a pessoas
muito jovens de pouca leitura ou a pessoas de pouca leitura em geral. O
problema é que é dirigido a adultos. Enfim, em termos de livro de ficção, tem a
pior característica que um livro de ficção pode ter: lição de moral.
2º Lugar
Meu livro violeta
Autor: Ian McEwan
Editora: Companhia das Letras
Meu
livro violeta entrou
na lista dos melhores e também dos piores. O livro é composto de duas partes:
um conto e um libreto de ópera. O conto é ótimo, e por conta dele o livro
entrou na lista de melhores livros de ficção. Já a segunda parte é enfadonha ao
extremo. Talvez até funcione como texto de ópera, mas como leitura isolada é de
uma chatice monumental.
3º Lugar
4321
Autor: Paul Auster
Editora: Picador
Em 4321,
Paul Auster se afasta do seu estilo tradicional, direto, objetivo, preciso e
fluido, para tentar abarcar o mundo (ou pelo menos um pedaço dele). A proposta
é louvável, visto que envolveu um gigantesco trabalho de pesquisa histórica,
mas o resultado deixa muito a desejar, por um único motivo: é chatíssimo.
Primeiro, porque fica claro, muitas vezes, que o protagonista, o jovem Archie
Ferguson, só serve como marionete do autor para que os acontecimentos
históricos (principalmente da conturbada década de 1960) ganhem relevância no
livro, alguns fatos são narrados com excesso de detalhes, como uma espécie de
Wikipedia obstruindo a leitura da ficção. Por focar nos momentos históricos,
muitos deles já exaustivamente explorados em livros e filmes (por exemplo,
Guerra do Vietnam e morte de JFK), o personagem principal fica escanteado em
matéria de construção mais elaborada, e Archie não passa de um personagem morno
e quase irrelevante, não chegando a despertar a menor empatia por parte do
leitor.
Não apenas
a linguagem é cansativa, tornando a leitura lenta e modorrenta, como a história
é difícil de acompanhar. Cada capítulo traz uma versão diferente da vida de
Archie, quase sempre com personagens que se repetem (como mãe, pai, tias,
amigos etc.); só que os capítulos são longos, portanto cada história só é
retomada depois de quase 200 páginas lidas, e aí o leitor que se vire para
lembrar onde aquela história específica havia parado, já que há similaridades
em todas elas. Outro defeito, que torna passagens de várias páginas
insuportáveis, são as recorrentes menções de partidas de beisebol. A
emoção e a aura heroica que Auster se esforça em emprestar a esse esporte
(confuso para quem não é americano) são inexistentes e se perdem no meio de
descrições de detalhes inúteis e passagens interminavelmente longas. O
crime de Paul Auster é ter feito de 4321 um livro
deliberadamente tedioso. Há, sim, momentos bons, como as histórias dentro da
história, o que já é marca registrada de Paul Auster, não por coincidência, os
melhores momentos acontecem quando somos retirados na narrativa sobre o
protagonista. Mas o final do livro é pra deixar o leitor com vergonha alheia. O
experiente Auster se vale de um recurso de escritor jovem e iniciante, ávido
para mostrar domínio dos recursos narrativos: no fim o 4321 que
lemos até o final não passa de um livro que o personagem está escrevendo, com
várias versões da vida dele, o truque fácil da metaficção. Pior que isso só o
frustrante “e no fim foi tudo um sonho do narrador”.
Melhores livros de Não Ficção:
1º Lugar
Brazillionaires: Wealth, Power, Decadence, and Hope in an
American Country
Autor: Alex Cuadros.
Editora: Spiegel & Grau
Não é surpreendente que o melhor e mais completo livro sobre
a história recente da vida política brasileira tenha sido escrito por um
estrangeiro. Sem as costumeiras amarras da autocensura, do rabo preso e dos
compromissos ideológicos dos veículos da grande mídia brasileiros, o americano
Alex Cuadros pôde fazer jornalismo da mais alta qualidade em Brazillionaires (um
trocadilho próximo de “brasilionários”). O livro mira nos super-ricos
brasileiros, no melhor estilo “Quem são? De onde vieram? Do que se alimentam?”,
e acaba alvejando a história política do Brasil recente, inclusive dos últimos
anos de ditadura. O pretexto da sua investigação é traçar o perfil de alguns
milionários e de suas fortunas como Eike Batista (talvez o personagem principal
da reportagem), Abílio Diniz, Edir Macedo, Paulo Maluf, Lehman, Roberto Marinho
e outros. Mas o livro de Alex Cuadros vai muito além disso, mostrando a
inextricável ligação entre as grandes fortunas do País com os governos de todos
as esferas, principalmente a federal. O capítulo em que discorre sobre o
crescimento das principais empreiteiras do país, como Odebrecht e Camargo &
Correa explica muito o Brasil de hoje, pois traça os caminhos tortuosos que
trilhamos para chegar até aqui. Em diversos momentos você se pergunta: “Por que
nenhum jornalista brasileiro falou disso antes?!”. No livro você encontra
centenas de dados, narrativas de fatos históricos, entrevistas com as pessoas
mais influentes do Brasil, mas isso tudo em linguagem escorreita e fluida. Pena
que nenhuma editora brasileira tenha dito a coragem de publicar o livro
justamente onde ele mais importa ser publicado. Brazillionaires é
um mergulho corajoso no espírito lamacento da política brasileira, que, você
vai ver no livro, também é um reflexo fiel do seu povo.
2º Lugar
Homo Deus
Autor: Yuval Noah Harari.
Editora: Companhia das Letras.
Depois do excelente Sapiens – Uma breve história da
humanidade, Yuval Harari vem com Homo Deus – Uma breve história do
amanhã. Se no primeiro o historiador israelense analisava toda a história
da civilização até aqui, neste segundo ele projeta o futuro da humanidade. Com
uma linguagem fluida e acessível, ele traz História, Economia, Filosofia,
Política, Religião e Tecnologia passando por Woody Allen, Karl Marx, Madonna,
Adolf Hitler, Justin Bieber e Charles Darwin.
Trecho:
Hoje podemos usar um arsenal de métodos científicos para determinar quem
compôs a Bíblia e quando. Cientistas vêm fazendo isso há mais de um século, e,
se tiver interesse, você poderá ler livros inteiros sobre as descobertas
feitas. Para encurtar uma longa história, a maioria dos estudos científicos
revisados por cientistas concorda que a Bíblia é uma coleção de numerosos
textos diferentes escritos por autores humanos em séculos subsequentes aos
eventos que se propõem descrever e que esses textos só foram reunidos num livro
sagrado muito depois dos tempos bíblicos. Por exemplo, apesar de o rei Davi ter
vivido por volta de 1.000 a.C., aceita-se que o livro do Deuteronômio foi
composto na corte do rei Josias, de Judá, por volta de 620 a.C., como parte da campanha
de propaganda destinada a fortalecer a autoridade de Josias. O Levítico foi
compilado ainda mais tarde, não antes de 500 a.C.
3º Lugar
Do que eu falo quando falo de corrida
Autor: Haruki Murakami.
Editora: Alfaguara.
Numa das suas raras incursões pela não ficção, o Haruki
Kurakami não abandona a originalidade característica da sua escrita. No seu
trabalho mais autobiográfico, o romancista japonês traça um paralelo entre sua
rotina de escritor e seus hábitos de corrida, mostrando que ambas atividades estão
inextricavelmente interligadas. A disciplina, a energia e a entrega são
praticamente as mesmas. O autor conta toda sua trajetória de como passou de um
proprietário de pequeno bar de jazz para o mais popular escritor do Japão.
Haruki Murakami correndo |
Trecho:
Os corredores mais comuns são motivados por um objetivo individual, mais do
que qualquer outra coisa: a saber, um tempo que desejam bater. Assim que
consegue bater esse tempo, um corredor vai sentir ter atingido o objetivo a que
se propôs, e se não conseguir, sentirá que não o fez. Mesmo que não consiga
fazer o tempo que esperava, contanto que tenha o sentimento de satisfação de
ter feito seu melhor — e, possivelmente, ter feito alguma descoberta
significativa sobre si mesmo no processo —, então isso é uma realização em si,
um sentimento positivo que ele pode levar consigo para a corrida seguinte.
O mesmo pode ser dito a respeito de minha profissão. Na
ocupação de romancista, até onde sei, não existe isso de vencer ou perder.
Talvez o número de exemplares vendidos, prêmios recebidos e elogios da crítica
sirvam como parâmetros externos para a realização literária, mas nenhum deles
importa de fato. O crucial é que o que você escreve atinja os padrões que
estabeleceu para si mesmo. O fracasso em atingir essa marca não é algo cuja
explicação você possa fornecer facilmente. Quando se trata das outras pessoas,
sempre é possível aparecer com uma justificativa razoável, mas não dá para
tapear a si mesmo. Nesse sentido, escrever romances e correr maratonas inteiras
são atividades muito semelhantes. Basicamente, o escritor tem uma motivação
silenciosa, interior, e não busca validação em coisas que sejam visíveis
externamente.
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