O brasileiro é um sujeito engraçado. Esse “engraçado” é no mau
sentido, claro. Dizem que nesse pitoresco país todo mundo é técnico de futebol,
tal a quantidade de palpites que as pessoas dão sobre a seleção em época de
Copa do Mundo. Mas há outra profissão imaginária para a qual os brasileiros se
consideram ainda mais qualificados. Nessa área de conhecimento, são todos
especialistas renomados, eruditos incontestáveis, mestres absolutos. Estamos
falando da degustação de cerveja.
Luis Fernando Verissimo escreveu um conto em que dois
charlatães tentam se passar por refinados conhecedores de vinho, se valendo do
vocabulário típico de sommeliers para avaliar cor, aroma e paladar de vinhos.
Ambos desconfiam que o outro seja também um enganador, mas seguem nesse jogo
por um bom tempo. É parecido com o que ocorre nos bares de todo o Brasil quando
indivíduos, embriagados ou não, bradam, sem medo de passar ridículo, que esta
ou aquela cerveja é a melhor e que aquela outra não presta. Apenas parecido,
pois os charlatães da cerveja brasileira não querem somente enganar os outros,
mas vivem uma vida inteira de autoengano.
Não estou dizendo que um sujeito treinado, um mestre
cervejeiro experiente, não vá reconhecer as diferenças entre as marcas
(supondo-se que realmente existam), mas essas diferenças seriam tão sutis que é
inimaginável que o brasileiro médio tenha esse gosto tão apurado. Eu mesmo, por
exemplo, sou cercado de amigos que, sem treinamento algum fora a beberagem
botequiana descompromissada, são grandes especialistas, cada um com suas
teorias sobre qual é a melhor cerveja brasileira. Claro que nenhum deles
gostaria de reconhecer, da noite para o dia, que esse seu suposto gosto
refinado nada mais é do que uma preferência por marca, ou melhor, por rótulo.
Os comerciais de cerveja no Brasil, pelo menos, são honestos. São todos
dirigidos a indivíduos de QI abaixo da média e sem qualquer senso crítico, que
é, vamos combinar, o maior público bebedor de cerveja no Brasil.
Outro dado curioso,
que serve para ilustrar bem o autoengano que o brasileiro se impõe é que, em
diferentes regiões do país, o público elege marcas diferentes como a melhor e a
pior. Assim, no Rio Grande do Sul, a Skol
é a boa (se não houver Polar
disponível, claro) enquanto a Kaiser
é a pior; no Paraná a Kaiser já goza
de melhor status; já na Bahia é a Skol
que o soteropolitano não serve nem ao seu cachorro; em Minas o povo já gosta de
Antarctica; no Rio o pessoal curte a
Brahma; e por aí vai. Em pubs no
exterior, você pode pedir um taster, com copos menores de 6 tipos de cervejas. No
Brasil isso não teria sentido algum.
Tipos de cerveja
Um estrangeiro no Brasil ficaria surpreso com a variedade de
cervejas do nosso mercado. Ou melhor, com o ridículo tamanho dessa pouca
variedade. Ao contrário de países com uma mínima tradição em cerveja, o Brasil
fabrica apenas um tipo de cerveja, a Lager,
e dentro desse tipo, apenas um estilo, a Pilsen.
A menos que seja de uma microcervejaria muito boa, a Pilsen normalmente é tão
sem graça e pouco marcante que é colocada em terceiro plano em outros países. Quem
faz a sua própria cerveja caseira normalmente não perde tempo desse laborioso
processo para fazer uma simples pilsen. Mas aqui o brasileiro ignora que
nasce e morre conhecendo apenas um estilo de cerveja entre as dezenas que
existem. Para se ter uma melhor ideia do que estou dizendo, é como se o único
refrigerante daqui fosse o guaraná, enquanto no resto do mundo temos Coca-Cola,
Sprite e Fanta Laranja, entre vários outros.
Nossa, quanta variedade! |
Noventa por cento do
mercado do país é dominado por cinco marcas: Brahma, Antarctica, Skol, Kaiser e Nova Schin.
Todas elas com o mesmo gosto. O mesmo gosto horrível, no caso.
Estupidamente gelada
É uma incongruência que justo no país onde mais se entende
de cerveja no mundo, o povo opte por tomar cerveja “estupidamente gelada”.
Qualquer criança de cinco anos sabe que, quanto mais gelada, menos gosto se
poderá sentir pois as papilas gustativas estarão anestesiadas, matando o paladar. Assim, tanto faz
qual marca se consuma, todas terão o mesmo gosto se servidas a temperaturas
muito baixas.
Outras cervejas
No Rio Grande do Sul, os gaúchos amam a Polar, que não é
encontrada no resto do país. Acreditem, não estão perdendo nada. A Polar,
para quem não sabe, é uma cerveja como outra qualquer, cuja garrafa leva o
rótulo com as cores da bandeira do RS, estimulando o orgulho que esse povo tem
da sua terra, como bons provincianos bairristas.
Original, com seu
rotulozinho retrô, também engana legal. Sei lá o que o povo pensa ao tomar essa
josta. “Estou tomando a cerveja dos velhos e bons tempos.” Sim, o rótulo dá
esse gostoso efeito nostalgia, e as pessoas são capazes de pagar ainda mais
caro por isso. Mas admito que essa cerveja é sim um pouco diferente das outras: além de dor de cabeça, também traz enjoo e embrulho estomacal.
Heineken e Stella
Artois
Mas alto lá, tem outro tipo de bebedor de cerveja no Brasil.
É aquele cara que sabe que Skol, Antarctica, Brahma e Kaiser são
todas a mesma e grande porcaria. Aí ele parte para as estrangeiras, pois é um
grande entendedor da coisa. Aí ele compra as incontestáveis Heineken e Stella Artois. A primeira é holandesa, a segunda, belga, como esses
dois países tão tradicionais em cerveja poderiam estar errados? Se soubessem da
reputação que essas cervejas têm entre os europeus, pensariam duas vezes. Heineken,
por exemplo, atende pelo carinhoso apelido de “mijo de gato”. Não é preciso ter
provado da urina felina para saber que a comparação desmerece a cerveja
totalmente. Já Stella Artois também
é apenas mais uma entre tantas. A verdade é que nenhuma cerveja produzida em
larga escala pode ser uma boa cerveja. Pode até não ser péssima, e embriaga
como as outras, mas nunca será digna de
figurar entre cervejas de destaque em qualquer lugar do mundo. Tá, e nem a Budweiser se salva? De novo, não se engane pela propaganda. Nos Estados Unidos, Budweiser é a cerveja dos caipirões e dos mendigos.
Desafio
Dito isso, lanço aqui um desafio a esses Mestres Absolutos:
um teste cego. Lhe servirei as quatro principais marcas brasileiras em
temperaturas iguais e copos idênticos e você, grande entendedor, vai tentar provar que
estou errado acertando cada uma delas. No caso da remota possibilidade de
acertar todas, lhe pagarei um engradado da sua preferida entre elas (mas saiba
desde já que, caso isso aconteça, creditarei o feito à coincidência, não ao seu
talento). Porém, caso perca, me pagará uma garrafa da cerveja da minha preferência.
O próximo post será sobre técnicas de abrir garrafas de cerveja?
ResponderExcluirSim, postarei um vídeo mostrando como abrir garrafas de cerveja usando um DVD do Kung Fu Panda.
ResponderExcluirInfelizmente tudo isso é verdade, mas a Spoller é a pior! kkk Ok, falando sério, eu já percebi que não muda mesmo muita coisa de uma para outra, e as vezes a da mesma marca parece ser diferente, então acredito que algo com a fabricação (variações no trabalho) ou mesmo a data é que dá esse gostinho (quase nada) diferente, pois são todas as mesmas. Então sem remorço de ser "mão de vaca" vou na mais barata mesmo, que fica na faixa de R$1,30, é ruim, amarga e dá uma certa alegria igual todas as outras.kkk Um abraço de um internauta com QI igual do resto dos consumidores desse "mijo de gato". Flw
ResponderExcluirO maior evento cervejeiro itinerante do Brasil.
ResponderExcluirwww.facebook.com/beerfestcuritiba