22 de outubro de 2019

A verdadeira história por trás do filme "Antes do Amanhecer"

(Este artigo contém spoilers dos filmes Antes do amanhecer e Antes do pôr do sol.)
Pouca gente sabe que a chamada “Trilogia do Antes”, composta pelos filmes “Antes do amanhecer”, “Antes do pôr do sol” e “Antes da meia-noite”, tem origem em uma história real acontecida com o diretor da trilogia, Richard Linklater. É uma história com todos os elementos de uma boa ficção. Mas antes de chegarmos a ela, façamos uma breve recapitulação dos dois primeiros filmes.
No primeiro, “Antes do amanhecer” (1995), Jesse (Ethan Hawke), um jovem viajante americano, e Celine (Julie Delpy), uma universitária francesa, se conhecem em uma viagem de trem pela Europa. Desembarcam juntos em Viena, e acabam passando a noite inteira caminhando e conversando sobre a vida, o universo e tudo o mais. Ele vai pegar o avião de volta para os EUA pela manhã, e antes de se despedirem, não trocam endereços nem telefones, mas marcam um encontro para dali a seis meses no mesmo lugar. E o filme termina assim. Só nove anos depois, quando foi lançado o segundo filme, em 2004, saberemos o que aconteceu: ele compareceu ao encontro, mas ela não, e nunca mais se falaram.

Julie Delpy e Ethan Hawke

Em “Antes do pôr do sol” (2004), todo filmado em Paris, Jesse é um escritor de relativo sucesso, e está sendo entrevistado sobre seu mais recente livro na livraria Shakespeare & Co. O livro, como viemos a saber, conta tudo sobre a noite de 9 anos antes. Foi a forma que ele encontrou para reencontrar Celine. E dá certo, pois ela comparece ao lançamento do livro. Novamente, passam o filme caminhando e conversando, e dessa vez ele perde o voo propositalmente para ficar com ela.
São filmes que, como poucos, quase despretensiosamente, mostram o processo de apaixonamento, de crescimento como adultos, de transformação pessoal, de conexão, de nostalgia, de momentos que só acontecem uma vez na vida, de despedidas, de aproximação, de memória, das coisas e pessoas que passam e que importam; e do impacto que algumas pessoas podem ter nas nossas vidas. E mostra tudo isso em apenas uma noite (Antes do amanhecer) e uma tarde (Antes do pôr do sol).
E agora vamos à história real por trás dos filmes.
Em 1989, Richard Linklater, ainda era um nome desconhecido no mundo do cinema, diretor iniciante, só havia dirigido um obscuro longa, ainda longe de se tonar o diretor de duas dezenas de filmes e de ganhar os Oscars de melhor filme, roteiro e diretor. Foi nesse ano que, a caminho para Nova Iorque, parou por um dia na Philadelphia, onde ele conheceu uma moça chamada Amy Lehrhaupt. Encontraram-se por acaso em uma loja de brinquedos e marcaram um encontro para mais tarde. Acabaram, exatamente como no primeiro filme, caminhando e conversando da meia-noite às seis da manhã. Amy era cheia de vida, inteligente, e a atração foi imediata. Falaram sobre vida, arte, ciência, filmes. Segundo Linklater, ele pensava o tempo todo que aquilo poderia virar um filme, e disse isso a ela:
– Ainda vou fazer um filme sobre isso.
E ela:
– Isso o quê? Do que está falando?
E ele:
– Sobre isso. Essa sensação. O que está acontecendo entre a gente agora.
Ao contrário do filme, trocaram telefones antes de se despedirem, mas a relação a distância não vingou, e acabaram perdendo contato. Aquela noite, porém, nunca foi esquecida, e cinco anos depois ele começou a filmar “Antes do amanhecer”, retratando a noite vivida por ele e Amy. Ele esperava que, com o lançamento do filme, ela fosse reconhecer a história e ressurgir em sua vida de alguma maneira. Mas ela não apareceu. Freud disse que os sonhos podem ser realizações de desejos inconscientes. Linklater transformou seu desejo em filmes.
Nove anos depois, ele retratou o seu próprio desejo no personagem Jesse, que escreveu um livro para reencontrar a jovem que havia conhecido anos antes. Agora, 2004, Linklater já era um diretor conhecido, e seu filme “Antes do pôr do sol” teve uma distribuição comercial muito maior, era impossível que Amy o ignorasse. Esperava que ela surgisse no lançamento do filme. Para sua decepção, novamente ela não compareceu nem procurou entrar em contato com ele.
Quando foi promover o terceiro  filme, “Antes da meia-noite”, em 2013, nove anos depois, Richard tornou a história pública, e um velho amigo de Amy Lehrhaupt escreveu uma carta para ele explicando o motivo por trás da continuada ausência da garota: em 1994, poucas semanas antes de ele começar a filmar a obra sobre ela, Amy estava em uma festa e pegou uma carona de moto para casa. Só que nunca chegou em casa. Era uma noite chuvosa, e ao passar pela ponte do Brooklyn, o piloto perdeu o controle da moto e Amy foi lançada na pista. Morreu aos 24 anos. Todo esse tempo, ela não havia ignorado os seus filmes, pois simplesmente não estava mais lá. E jamais soube que aquele rapaz com quem passou conversando uma noite haveria de dirigir e escrever dois filmes baseados naquele encontro. Richard Linklater perdeu um amor, e o mundo ganhou sua arte.

Amy Lehrhaupt

Se você ficar até o fim dos créditos finais de “Antes da meia-noite”, verá que o filme é dedicado à memória de Amy Lehrhaupt.
(Publicado originalmente na Revista Entrementes)

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