20 de janeiro de 2011

Orelhas

dois séculos e meio, quando fui contratado para dar aulas num dos mais renomados colégios particulares da capital, tive que cortar o cabelo, tirar os brincos e usar gravata. O que não reclamei, pois cada um desses atos fez minha credibilidade crescer 37%.

Um dia, numa aula em que passava de mesa em mesa conferindo os trabalhos dos alunos, um deles percebeu os furos na minha orelha e gritou surpreso: “Professor, tu usa brinco?!!” Em seguida se dirigiu à classe: “O professor usa brinco! O professor usa brinco!” E logo começaram os olhares zombeteiros e as chacotas: “Tu é gay?! Tu é gay?!” E assim logo a coisa se espalhou pela sala toda, de forma incontrolável, como acontece em turmas de 7ª série.

A despeito de estar sendo atacado de forma tão grosseira, tive que manter a postura de professor, exemplo de conduta aos meus pupilos. Logo, vi ali uma oportunidade de falar aos jovens estudantes sobre o absurdo do preconceito e necessidade de respeito às diferenças. Queria mostrar o quanto de irracional estava inserido nesse tipo de manifestação. Daria exemplos históricos de como a intolerância pode ser perigosa e trazer prejuízos para toda a sociedade. Enfim, como verdadeiro mestre, aproveitaria a oportunidade para dar uma lição de vida. Mas no fim eu só disse: “Eu uso brincos na orelha esquerda, gay usa na orelha direita!” E a discussão acabou.


6 comentários:

  1. Quem sabe se, na ocasião, tu tivesses feito a discussão cresecer e ganhar as manchetes, hoje não teríamos uma dúzia de salva-vidas que não podem salvar vidas só porque ousaram fazer um desenho na pele?...

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  2. Anônimo 2, a missão21 de janeiro de 2011 às 01:13

    Orelha direita, gay.

    Orelha esquerda, maconheiro.

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  3. E quem ousa furar as duas, como eu?
    É um gay maconheiro ou um maconheiro gay?
    Ainda bem que nunca fiz tatuagem (embora tecnicamente sim).

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  4. Anônimo 2, a missão21 de janeiro de 2011 às 19:26

    Depende qual furou primeiro.

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  5. Agora entendi qual era o conflito que motivou Van Gogh a cortar a própria orelha...

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