1 de abril de 2010

São Caetano, uma lenda

Por quase 20 anos, morei num bairro isolado, onde nada acontecia. Para se ter uma ideia, nesse bairro o povo já ficava em polvorosa quando inauguravam um novo açougue ou quando o pessoal da prefeitura vinha trocar uma lâmpada de poste, a cada dois anos. Hoje, felizmente, moro no Centro, onde tudo acontece, só que ninguém me convida. Como passei boa parte da minha infância e adolescência nesse tal bairro isolado, guardo muitas lembranças de lá. Todas péssimas, claro. Mas a pior delas talvez seja o São Caetano.


Como todo bairro isolado (aqui devo esclarecer que é isolado não apenas geograficamente, mas culturalmente, tecnologicamente e historicamente: ainda está no paleolítico), era desprovido de um bom sistema de transporte público. Assim, os moradores dependiam de apenas uma opção de ônibus, mais precisamente, o 349-São Caetano. Mas a questão é que o São Caetano não é apenas demorado, mais do que isso, ele é raro. Bom, para se ter uma ideia, ele é tão demorado que não tem uma tabela horária, mas uma linha de tempo. As pessoas no ponto de ônibus não esperam por ele, elas tem que ter fé nele. Alguns filósofos se referem a ele como uma ideia; sociólogos o consideram um fato social; historiadores afirmam que ele é simplesmente um mito; psicanalistas acreditam que ele seja uma criação do insconsciente coletivo; ufólogos tentam provar sua existência em vídeos amadores de qualidade duvidosa.


Outro dia fui calcular quanto tempo da minha vida desperdicei apenas esperando por esse maldito ônibus. A conclusão é que foi tempo suficiente para ter concluído uma faculdade; ou ter tido uma família, filhos, me separado e ter sido preso por não pagar pensão alimentícia; ou dado 3 voltas ao mundo (se não estivesse preso, claro).


Mas assim, se você tiver , e ele passar, qualquer outro ônibus daquela parada já terá passado mais de 27 vezes, o que será tempo suficiente para você ter ido a pé, digamos, até Cachoeirinha e voltado (não que alguém possa ter qualquer bom motivo para ir até Cachoeirinha).


Ah, sim, é bom levar alguma distração para a espera, como Guerra e Paz ou O Tempo e o Vento ou qualquer outro pocket book como esses. E prepare-se, quando ele passar pela primeira vez, acontecerá um fenômeno de frustração incomparável: o motorista fingirá que não viu você levantar o braço e fazer sinal com o dedo indicador. Assim, na segunda vez em que ele passar, você será enfático no seu sinal, pulando, agitando os braços e se atirando na frente do ônibus. O motorista, dessa vez, não vai ignorá-lo: irá acelerar até acima da velocidade permitida, para que você não tenha tempo de anotar o prefixo para denunciá-lo. Na terceira vez em que ele passar, não se preocupe, ele vai parar. E com uma grande vantagem: como você já estará aposentado, não vai precisar pagar a passagem (mas também não se lembrará mais para onde estava indo mesmo). Se por acaso avistá-lo em menos de 158 minutos de espera, nem se dê ao trabalho de sinalizar: é apenas uma miragem.


Mas não estou me queixando, o São Caetano também está presente nas minhas memórias afetivas. Foi o primeiro ônibus que peguei sozinho (quando criança, achava que três coisas eram o maior símbolo da independência: amarrar os sapatos, fazer bola de chiclete e pegar ônibus sozinho). Nessa primeira viagem, a campainha não tocou e só fui descer 18 quarteirões depois da minha casa. Em outra oportunidade, o ônibus arrancou enquanto eu descia, e bati de cara num poste, o que me marcou muito, literalmente.

Acima, os remanescentes de uma turma de 2ª série que resolveram esperar pelo São Caetano.


3 comentários:

  1. Pois é...o Sao Caetano sempre levava 2 horas pra chegar na parada mas nos largava em casa em 5 minutos mesmo fazendo o caminho mais longo para "atingir a gloria"...esse paradoxo sempre me levou a refletir o motivo dele estar sempre com pressa e ao mesmo tempo sempre atrasado...hoje em dia tb moro em local civilizado e ele sempre passa na frente da minha casa...sempre...cada vez q olho na janela ele esta passando como se fosse uma provocacao...

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  2. Eu ainda acho que tu estás tendo alucinações...

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