18 de maio de 2009

Clipes e tocs

(putz, este post saiu enoooorme. Melhor deixar pra ler no fim de semana)



As minhas pequenas obsessões e compulsões são muito sem graça. São tão discretas e escondidas que só mesmo um psiquiatra ávido por distribuir receituários poderia perceber. A maior parte delas se refere a números. Ou melhor, a contagens. Normalmente são atividades mentais, imperceptíveis externamente, o que é sempre um alívio.
Começo desde cedo. Logo que levanto, conto quanto tempo faço xixi, quanto tempo aperto o botão de descarga, quanto tempo escovo os dentes, lavo as mãos, tomo banho, me seco, me sirvo de água, a por aí vai. Na verdade não conto simplesmente o tempo que levo para desempenhar cada uma dessas atividades. Estabeleço um tempo limite: conto até 20. Não são 20 segundos, visto que a contagem pode ser mais rápida ou mais lenta. Quando saio de casa, conto quantos passos dou até meu destino, seja o armazén, a padaria ou o sex-shop. Para não ficar monótono, insiro algumas variantes, como placas de carro, cores de carro, quantidade de guarda-chuvas abertos, guarda-chuvas fechados, cores de tênis e mais uma infinidade de estatísticas completamente inúteis.

Para beber, também tenho algumas regrinhas. Se for cerveja, só dou goles em minutos pares. Vinho, em minutos com final 3, 6 e 9. E destilados apenas em minutos múltiplos de 5.
Outra mania são os sorteios. Só ouço músicas no modo aleatório, só escuto discos que foram escolhidos através de sorteio, e até meus sapatos do dia são escolhidos com a ajuda de um dado. (sim, tenho dado em casa) Não o par, mas cada um dos pés, esquerdo e direito. Faço isso com calças também.
Não chegam a ser um transtorno, mas enfim...

Outro dia participei da reunião de um grupo de obsessivo-compulsivos em um hospital. Algumas das histórias são interessantes. Uma pessoa tinha a impressão, várias vezes ao dia, de que havia atropelado alguém na rua. Então sempre voltava ao local para se certificar de que não cometera nenhum crime no trânsito. Outra tinha que repetir o que estivesse fazendo se tivesse um pensamento ruim durante aquela atividade. Por exemplo: se pensasse em algo ruim enquanto se vestia, tinha que abandonar a primeira roupa escolhida e colocar outra; aconteceu de uma vez experimentar TODAS as roupas do armário e não sobrar mais nada para vestir. Outro tomava banhos durante 4 ou 5 horas. Uma outra tinha estranhas fantasias com imagens de santos nus.

Acabei me lembrando desse assunto ao prestar atenção a um hábito que tem saído um pouco do padrão normal de minhas manias. Comecei a colecionar clipes. Não, nada a ver com MTV. Estou falando daqueles clipes metálicos de prender papel e que as pessoas não gostam de flexionar no singular (ex: dois clipes, um clipes). Há uns dois meses, notei que, dia sim dia não, via um clipe abandonado na rua. Em seguida, me bateu o sentimento de que deveria recolher esses clipes, para que não mais os encontrasse. Para minha surpresa, a quantidade de clipes soltos pela rua é enorme; avisto-os praticamente todos os dias. Nem sempre os recolho, pois tenho vergonha de fazê-lo na frente das pessoas. Mas, quando não há ninguém olhando, o cato, ponho no bolso e levo pra casa, como se fosse algo muito valioso que encontrei. Um detalhe importante: aos meus clipes achados na rua JAMAIS é dada funcionalidade, ou seja, viram apenas objetos decorativos (na verdade nem isso), nunca sendo usados. E aqui estou eu, com meus 250 clipes recolhidos nos últimos 5 meses. São grandes, pequenos, novos, enferrujados, tortos, quebrados, não tenho preconceitos. Comecei até a sonhar com os clipes. Em três sonhos eu encontrei uma montanha de clipes na calçada.

Até agora simplesmente não tinha entendido por que vinha fazendo isso. Ainda mais que abandonei minha 8ª psicanalista recentemente. Foi então que lembrei do meu guru indiano, Shenkapur Ravrishananda, que acabara de voltar de um retiro espiritual na Rua Augusta. Peguei o primeiro avião e fui ao seu encontro.

Fui ao seu prédio, subi as escadas correndo e, como de costume, adentrei seu apartamento sem bater e me dirigi à cozinha, onde, como de costume, estava nu e preparava, como de costume, um refogado de legumes com curry. Me fez um sinal com a mão para que eu me acalmasse, sugerindo o exercício respiratório nº 34. Depois de 15 minutos, finalmente pude falar e lhe contei toda a minha história sobre a mania de colecionar clipes. Contei que tentava descobrir um padrão, um significado para tão inusitado hábito que, além de anti-higiênico, era tremendamente bobo. Por que esses clipes apareciam com tanta frequência para mim? Seria um sinal? E, em caso afirmativo, sinal de que? Ele me escutou com muita atenção, sem deixar de cuidar dos legumes, claro. Enfim coçou o mamilo esquerdo (prenúncio de uma revelação), moveu suas espessas sobrancelhas brancas para cima, para baixo e para os lados, uma de cada vez, e diagnosticou:

“Está em crise de confiança pessoal.”

Estupefato, eu respondi enfaticamente:
“Hmmfg?!”

Ele explicou pausadamente, com sua doce voz de locutor do Love Songs da terceira idade:
“Quando caminha na rua, olha demais para baixo. Por isso vê os clipes. Erga a cabeça, olhe pra frente. Isso é baixa auto-estima.”

E assim fui pra casa, enlevado por mais um sagrado ensinamento do meu iluminado mestre indiano. Me sentia bem melhor depois dessa lição. E fiquei melhor ainda depois de encontrar mais dois clipes numa poça d’água na sarjeta. Agora já tenho 252!


















Guardo um carinho especial pelos clipes deformados e pelos enferrujados.

Um comentário:

  1. Tem também os elos de latinhas que tu estava juntando. Primeiro era um vício meu, depois, quando vi, tu já tinha juntado mais que o dobro que eu tinha conseguido em 5 anos. Seja pela capacidade ou pelo alto consumo do conteúdo das latinhas, acho que te daria bem na profissão de catador. Pelo menos ia aumentar seus ganhos financeiros, melhor que estagiário.

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