A Consulta
Personagens:
Dr. Mavedeus, o terapeuta
Dona Rislande, a secretária
Paciente, o paciente
Sala
de espera do psicanalista.
Secretária
e paciente sentados.
No
consultório, um pano preto cobre a sala do doutor.
A
secretária masca um chiclete e faz rabiscos em um papel sobre a mesa.
Paciente
senta na última cadeira de uma fila de cinco cadeiras, olha ao redor, tem as
mãos sobre os joelhos, as pernas juntas, consulta as revistas, vê uma caixa de
areia num canto. Se abaixa e começa a mexer na areia. Colocando nela os bibelôs
que estavam na mesinha. A secretária chama o Dr. Mavedeus:
Secretária - O seu paciente das cinco
horas já esta aqui, Dr. Mavedeus.
Dr. Mavedeus – Já estou indo, dona
Rislande.
-sai
da sala uma loira de camisa vermelha, mini saia preta e salto alto, ele sai
colocando a camisa pra dentro das calças-
-a
secretária olha a mulher de cima a baixo-
-Dr.
Mavedeus se dirige ao paciente:
Dr. – Como está? Vamos entrando.
-apertam-se
as mãos-
Paciente – Pra ir adiantando o serviço
eu já fiz uma representação das minhas ansiedades nessa caixa de trabalho. Quer
levar pra dentro pra analisar?
Dr. – Que caixa de trabalho?
......Não, não precisa....
-vira-se
para a secretária, sussurrando:
-Dona Rislande, não recolheste a caixa
do gato?
Dentro
da sala de consulta
Para
o paciente:
Dr. -
Não, não, hoje vamos só conversar um pouquinho.
Paciente - ah, claro. Tudo bem. Ok. Vamos
lá.
Dr.- Por aqui, por favor
-No
consultório. Um sofá, duas poltronas-
P. – onde eu me sento?
Dr. - Onde te sentires melhor.
Paciente
senta na poltrona do Dr. Mavedeus
Dr. – Menos aí.
Dr. – Então, o que te trouxe aqui?
P – Ah, eu vim a pé mesmo. Eu moro
aqui pertinho. Sabe o mini mercado Picinini? Pois é, você passa o mercado e é
logo depois da esquina, do ladinho da casa de ferra...
------doutor
o interrompe com um pigarro forte---
Dr. – Claro, claro. E por que motivo o
Sr. veio me procurar?
P – Ah, desculpa, Doutor, eu tô um
pouco nervoso. É que é um assunto meio complicado que vem me afligindo há um
bom tempo. Eu nunca falei sobre isso com ninguém. Eu mesmo venho tentando
evitar pensar nisso. Mas é como se fosse um fantasma, sempre me assombrando. E
agora não dá mais pra ignorar.
Ele tá sempre ali, me esperando, em
algum lugar da minha mente, causando esse profundo desconforto...é uma coisa
que, sei lá, entende? Não sei nem como te dizer, eu tentei ensaiar antes de vir
pra cá mas...
Dr. - Entendo. O Sr. Por acaso não
estaria passando por uma crise de identidade sexual?
P. – Doutor , mas tu é bom mesmo
doutor!!. É isso aí mesmo. Tu é bom, tu é bom, tu é bom mesmo.
Dr. – Sou sim. Me diga uma coisa, tens
dormido bem?
P – Tenho sim.
Dr. – Tens sonhado?
P – Tenho, nem sempre me lembro, mas
tenho sim.
Dr. – Se lembra de seu último sonho,
como foi?
P – Lembro! Eu estou num palco, num
teatro... estou de terno branco. A platéia está lotada. Seguro um crânio numa
das mãos, vou falar meu texto e, quando vejo, o crânio que seguro é o meu
próprio. Só que com mais olheiras. Esqueço o texto e da coxia alguém me sopra a
minha fala, mas numa antiga língua dos povos nórdicos, ou isso ou o cara estava
cantando uma ária de Verdi e tentando mastigar pregos ao mesmo tempo. Bom, a
questão é que não entendo uma palavra do que diz, fico nervoso, olho de volta
pra platéia e todos começam a rir. Um arremessa um tomate, outro um ovo, uma
senhora joga uma frigideira. Pergunto se alguém tem orégano, mas não me
escutam. Poderia ter feito uma bela omelete. Humilhado, me retiro de cena.
Dr. – Hummmm...Interessante....ahã....
P . – E então, o que achou?
Dr. Hhummm, interessante...ahã..O que
VOCÊ achou?
P. – O que eu achei? Mas eu estou te
pagando pra isso.
Dr. - Hummm...interessante..ahã...
Pausa.
Paciente fica inquieto
Dr. – Sim, sim,....ahã...-.
Interessante essa colocação...
P . – Mas eu não tô falando nada!
Dr. – Mas seu corpo está. Já ouviu
falar em linguagem corporal?
P . – Coméquié?
Dr. – Estou apenas lendo o que seu
corpo está me dizendo.
P . – É? E o que meu corpo está te
dizendo?
–longa pausa-
P.- E então?!
Dr. – Então o que?
P . – O que diz minha linguagem
corporal afinal?
Dr. – Já te disse.
P.- Como já me disse? Estou quieto há
horas.
Dr.-
Já te respondi com minha linguagem corporal também.
P. – Ah, esquece...o que tu podes me
dizer sobre o sonho afinal? Tem algo a dizer?
Dr. - Tenho algumas observações
importantes a fazer. Primeiro: a presença da mãe judia.
P. Mãe judia? Que mãe judia?
Dr.-
Não tente ignorá-la. Ela está lá.
P. – Onde?!
Dr. – Na plateia, na segunda fila,
chorando durante toda a sua apresentação.
P. - ??!
Dr. – Ela está ali, do lado do pai
castrador, à direita do homem vestido de esquilo.
P. – Mas..m..Mas eu nem sou judeu.
Dr.- Não é a questão. É uma mãe de
inconsciente coletivo. O que eu vejo aqui é muita culpa. Afinal, do que você se
arrepende? O que esconde? Você é sádico? Gosta de vê-la sofrer? Aonde pensa que
vai chegar com tudo isso?
P.- Doutor, não quero fugir do
assunto, mas não é melhor nos focarmos ao problema que vim aqui tratar? Aquele sobre
o qual não consigo falar?
Dr.- Sim, sim, claro....Bem, me diga uma
coisa: quando você está lá no palco, com seu terno branco - por sinal símbolo
de castidade – você fala em um microfone?
P. – Não.
Dr. Não há nenhum microfone?
P.- Não. Nenhum.
Dr.- Hummm...ahã...interessante.
Nenhum canhão de luz talvez?
P. – Não.
Dr.- Tens certeza?
P. - Absoluta.
Dr. – Não tem um lanterninha?
P.- Não.
Dr. – O maestro não segura uma
baqueta?
P. – Não tem maestro nem orquestra.
Dr. - Uma luta de espadas na peça?
P. – Não. É um monólogo.
Dr.- Hummm....ahã..interessante....Não
há, quem sabe, um vendedor de churros?
P.- Não, eles não podem entrar no
teatro. Ficam na rua.
Dr...Sim, sim, ahã.....interessante.
P. – Afinal o que são essas perguntas
Doutor?
Dr. – Nada não, eu só estava
procurando um símbolo fálico. -Diz diminuindo a voz-
P. –
Fali o que?!
Dr. – Me fale da sua infância.
P. – O que quer saber?
Dr. - Alguma coisa que tenha te
marcado.
P. – Bom, quando eu tinha cinco anos
aconteceu algo que me marcou muito. Não conseguia dormir, tinha acabado de ver Acredite se Quiser, e entrei no quarto
dos meus pais sem bater. Quando entrei flagrei meu pai, como vou dizer....
Dr. – Tendo relações sexuais?
P. – Não.
Dr. - Afogando o ganso?
P. Não.
Dr. - Molhando o biscoito?
P. – Não.
Dr. – Agasalhando o croquete?
P. Não
Dr. - Afundando a tanga?
P. – Não doutor, ele estava fazendo...
palavras cruzadas. E minha mãe ajudando. Pensei na hora: então é isso que é o
casamento? Eles bem que tentaram me consolar. Mas já era tarde... nunca pude me
esquecer daquela cena...
Dr. – Hummm, sim, sim, interessante,
...ahã...Bem, vamos fazer o seguinte. Uma técnica de livre associação... Eu vou
dizer uma palavra e você me diz a primeira coisa que lhe vier à mente.ok?
P. – Tipo Top
of Mind?
Dr. – Mais ou menos isso...- Quando
digo a palavra frio, o que vem a sua cabeça?
P. - Ar condicionado
Dr. - Livro?
P – Incêndio.
Dr. Água?
P. Não, obrigado.
Dr. – Planeta.
P. – Terra.
Dr. – Cidade.
P. – Tóquio.
Dr. – Igreja
P. – Marmota.
Dr.- Mãe.
P. – Marmota
Dr. – Pai
P. – Marmota lilás.
Dr.- Esporte
P. – Futebol.
Dr. – Time.
P. – Inter.
Dr. - Palpite pro próximo jogo?
P.- 1X0
Dr.- Quem marca o gol?
P. - O zagueiro do outro time, contra.
Dr.- Hummmm....obsessivo por
futebol...interessante...
P. – Mas foi tu que perguntou!
Dr. – Hummm...a típica negação....ahã...
P. – Não estou negando nada!
Dr. – Uma negação dupla, ou seja, uma
afirmação...
P – Doutor...
Dr. – Então admite o fanatismo por
homens correndo atrás de uma bola?
P. – NÃO.
Dr -
Humm...agora está num estado típico de confusão mental...interessante.
P. – Não estou.
Dr. – Está
P. - Não estou.
Dr. – Está.
P.- Já disse que não estou.
Dr – Huumm, negando três vezes agora,
noto uma grande influência de sua formação católica...
-Dr.
Olha para o relógio de bolso-
Dr.-
Bem, Fulano, parece que nosso encontro chegou ao fim...
P. – Já? Mas não era uma hora?
Dr. - Uma hora de 15 min. Nos vemos
nesse mesmo horário, semana que vem?
P. – Tá, mas, e quanto ao meu
problema?
Dr. – Qual deles?
P. – O da minha, você sabe, identidade
sexual...
Dr.-
Ah, esse... Muito simples fulano, não precisa se preocupar .
P. – Não preciso?
Dr. - Não , a verdade é que você é uma
lésbica.
P. – Uma lésbica?
Dr. - Sim, uma lésbica aprisionada num
corpo de homem.
P. – Hã? Mas como ass...
Dr. – Como disse, não é motivo para
preocupação. É um caso muito comum hoje em dia. Aqui tem algum material sobre
isso. Leve e leia em casa, ok? Falaremos mais sobre isso na próxima sessão. Passar
bem.
Paciente sai devagar, folheando o
material, ficam Dona Rislande e Dr. Mavedeus na sala de espera.
Sec.-
Cada um que aparece né doutor Mavedeus?
Dr. – É verdade, este último foi um
diagnóstico muito complicado, difícil mesmo, é por isso que a gente tem que
cobrar o que cobra. Por isso é que temos que valorizar nosso trabalho.
Sec.- Falando nisso, doutor, e quanto
àquele aumento?...
Dr. – Tudo a seu tempo, dona Rislande,
tudo a seu tempo..
Entra na sala e fecha a porta. Secretária
fica lixando as unhas.
Sec. – Tsc, tsc, ...A típica
negação...
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