24 de fevereiro de 2010

O Trote

Tinha o hábito classificar as pessoas em dois grupos: aquele em que me enquadro - o grupo bom - e aquele que abomino - o grupo ruim.


Explico: costumava ter opiniões formadas a respeito de certos assuntos e, por um determinado período, separava as pessoas entre as que compartilham da minha opinião e as que são contrárias. Assim, colocava as contrárias num saco de idiotismo, como se a tal posição que tomam fosse o suficiente para classificá-las como

merecedoras ou não de qualquer consideração moral, isto é, se elas desaparecessem da face da Terra hoje, fariam um grande favor.


Às vezes o que me fazia tomar minha posição era simplesmente a inconsistência argumentativa de um dos lados, ao qual imediatamente me opunha. Se os argumentos fossem altamente hipócritas e falaciosos, não conseguiria apoiar a causa. Ficava satisfeito de ter essa clareza e objetividade.

depois de cinco anos de terapia é que fui descobrir, surpreso, que isso não era uma qualidade e sim um defeito.


De todo modo, aqui vão alguns exemplos de como separava as pessoas (apenas a memória me impede de listar dezenas deles):

- Pessoas que votavam SIM ao desarmamento X Pessoas que votavam NÃO

- A favor do diploma de jornalista X Contra a obrigatoriedade do diploma

- Fãs do Tom Hanks X qualquer outra pessoa

- Quem achou Borat genial X Quem não entendeu Borat

- Pessoas que choraram ao ver Dois Filhos de Francisco X Pessoas insensíveis

- Gente que toma banho de noite X gente que toma banho de manhã

- Pessoas que riem “rsX pessoas que riem “uhahauhauhauha

- Pessoas que acham que o Lula é burro X Pessoas que sabem que, na verdade, ele é muito esperto

Quem gosta de trote na faculdade X quem acha trote coisa de idiota


Nos outros itens admito que posso estar sendo preconceituoso e intolerante, mas quanto ao trote, não consigo achar onde eu possa estar errado na minha condenação dessa prática ridícula. Autoritarismo, violência, humilhação, são os ingredientes mais suaves dessa tal tradição acadêmica onde os participantes são reduzidos a um primitivismo imbecil. O trote é um lembrete de que todos aqueles que você vê por aí, posando de civilizados, estão, para sempre, condenados a sua condição de grotescos animais.





6 comentários:

  1. Mas eu também sou um pouco intolerante, mas não nessas questoes... "rs"
    :P

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  2. Eh interessante isso, sobre se eh valido considerar uma ideia a partir dos argumentos que a apresentam, porque qualquer ideia pode ser argumentada e defendida (os advogados sabem bem disso!).


    Uma coisa marcante pra mim foi quando, no primeiro grau ainda, a professora separou a sala entre os que defendiam e os que eram contra certo assunto, e entao, em determinado momento, ela inverteu as posicoes: cada grupo tinha que argumetar contra o que acreditava, e pra nossa surpresa, tinhamos mais argumentos quando defendiamos uma posicao que nao era verdadeiramente a nossa!

    Por outro lado, eh a velha questao forma x conteudo. Serao dissociaveis? ( ver Susan Sontag - Contra a Interpretacao.

    Uma frase do livro: (...) as novas linguagens faladas pela arte interessante do nosso tempo são frustrantes para as sensibilidades da maioria das pessoas instruídas. (349)

    em outras palavras, eh o mesmo que o Voltaire diz...)

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  3. Puxa, no primeiro grau? Que sorte, eu só tive essa experiência no primeiro ano da faculdade, numa aula de filosofia. Pegamos assuntos polêmicos, tipo pena de morte e aborto e escrevemos. Em seguida, a surpresa: "agora escrevam defendendo a opinião contrária". Quando comecei a escrever, foi uma tremenda revelação. Mudou a minha vida, sério. Tirando as falácias e toda a construção argumentativa, o que sobra? Onde está a verdade? Qual era mesmo a minha opinião e por quê?

    Pouco tempo depois disso, num grupo pequeno em uma aula de inglês, separaram dois grupos: uma para argumentar contra o cigarro, outro a favor. Como não havia nenhum fumante, NINGUÉM quis defender o tabaco além de mim. No final do debate, ninguém acreditou que eu não era fumante, por ter um contra-argumento forte para cada um que eles traziam.

    Todo mundo tinha que fazer isso um dia.

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  4. vou entrar na UFRGS esse semestre..ou seja, trote. Vi um video que uma menina me mandou, achei deplorável. MESMO. conversando com uma veterana, pedi que se ela pudesse fazer algo em relação aos derivado animais nao serem jogados em mim. Bom, fui expulsa do trote, basicamente, com aquela unica menina me defendendo. Disseram que nao tem como fazer um trote pra cada bixo. Mas era só nao me jogar ovo/etc.
    De qqr forma, fico feliz em nao participar do trote, pelos teus argumentos acima, opinião que eu divido.

    Enfim,
    Adios.

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  5. Legal essas experiencias, neh?

    Pois eh, a minha foi no primeiro grau, portanto o nivel da discussao nao era tao alto, mas eu me lembro como foi interessante.

    Agora, mais interessante pra mim, eh que, apesar de uma certa facilidade (pelo gosto) em argumentar, por nada no mundo consigo ser uma boa vendedora. Eu nao consigo vender nem produto no qual acredito! rs rs

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  6. Nessa, qualquer coisa copia, imprime e põe no bolso a notinha sobre o trote para usar em casos extremos.

    Anônima,
    Eu só consigo vender produtos nos quais NÃO acredito.

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