1 de outubro de 2009

ENTREVISTA - RAFAEL BÁN JACOBSEN

Em mais um grandioso furo de reportagem, conseguimos uma entrevista exclusiva com um dos mais aclamados jovens escritores judeus reclusos do Brasil.
O repórter Djegovsky conta um pouco sobre os bastidores dessa entrevista:


“É mais fácil conversar com o Machado de Assis numa sessão espírita que conseguir uma entrevista com o Rafael Jacobsen. Vive encerrado em sua fortaleza no Menino Deus e, quando sai de casa – somente para ir nas pré-estreias de filmes do Harry Potter -, está sempre cercado por quatro seguranças. Fiz campana em frente à sua propriedade durante uma semana, aguentando o frio e o vento. Me disfarcei de vendedor de enciclopédias, de carteiro e de entregador de leite. Mesmo assim não consegui me aproximar do escritor. Foi então que o Diretor de Redação do SMUB sugeriu que eu fizesse uma entrevista por email. Existem momentos na carreira de um jornalista não diplomado que compensam toda uma vida de privações. Esta entrevista é um desses momentos”


SMUB: No seu romance Solenar, há traços de um moralismo vanguardista, com a sobrevalorização do elemento rural, evitando com destreza a literatura kitsch e perpassando a problemática da dimensão social da arte. Já no seu mais recente romance, Uma leve simetria, entra a questão do marxismo ortodoxo, abrindo caminhos para um potencial de racionalização estética, num jogo de aproximações entre Heidegger e Hegel, numa evidente busca pela valorização da historicidade humana. Afinal, por que ocorreu essa ruptura tão radical entre um livro e outro? Seria um apelo desesperado ao sensacionalismo?
Droga! Nunca pensei que fosse tão óbvio, mas sim, é verdade: tentei ganhar leitores e atrair os holofotes da mídia apelando para a polêmica em potencial. Agora, com essa confissão, os puristas do beletrismo podem me jogar pedras se quiserem, fiquem à vontade. Aceitarei estoicamente cada pedrada.

SMUB: O senhor já andou de montanha-russa?
Já, várias vezes. Quando era jovem, fui à Disney e andei inclusive naquelas montanhas-russas com um, dois, três, duzentos loopings, coisa que não existia ainda no Brasil. Eu era intrépido, sabe? Hoje, estou mais maduro, sereno... acomodado e covarde também, quem sabe? Mas a verdade é que não ando mais nem de carrossel.

SMUB: Se tivesse uma máquina de tempo, para que ano gostaria de ir? Por quê?
Queria voltar no tempo até 1888, para visitar a Londres da época e flagrar Jack, o estripador, no dia 9 de novembro, em seu último e triunfal ato no número 13 de Miller´s Court, na Rua Dorset. Sempre tive essa fantasia, desde criança. Além disso, acho os figurinos vitorianos um luxo!

SMUB: Ernest Fischer já disse que “A função da arte não é a de passar por portas abertas, é antes a de abrir portas fechadas”. O senhor prefere entrar pela porta da frente ou pela porta dos fundos?
Pela porta dos fundos, sem dúvida. E sem avisar, para maximizar o efeito-surpresa.

SMUB: Como o senhor relaciona a derrocada da poesia concretista no final dos anos 70 com a ascensão do Grupo Votorantim no mesmo período?
A maciça produção de concreto, cimento e afins por esse grupo empresarial certamente supriu a necessidade social por tais elementos. Com tanta produção de concreto, quem mais precisaria de arte concreta? Concreto demais satura! Se bem que essa questão da derrocada da poesia concretista é controversa: experts e entusiastas do assunto, como Décio Pignatari, afirmam que a poesia concreta ainda está por aí, e com força, mas a diferença está no fato de que, hoje, ela é tão melhor quanto mais irreconhecível for como exemplar dessa corrente. Concordo 100%.

SMUB: O senhor é um doutorando em Física, com estudos voltados para a pesquisa em cosmologia e em física nuclear e de partículas. Creio que esteja devidamente qualificado para dirimir esta dúvida atroz: qual a diferença entre bolacha e biscoito?
A maioria dos autores considera que a designação biscoito é mais geral. As bolachas seriam um subconjunto dentro do universo dos biscoitos, correspondendo aos biscoitos mais secos e de forma mais plana e achatada. Ou seja, toda bolacha é biscoito, mas nem todo biscoito é bolacha. De qualquer modo, percebo que, no Brasil, utilizar predominantemente a designação bolacha em lugar de biscoito, mesmo quando o alimento em questão não se enquadra exatamente nos critérios, acaba se configurando como uma sutil forma de afirmação linguística das populações dos estados “periféricos”, ou seja, dos estados que estão fora da região sudeste, distanciados do poderoso eixo Rio-São Paulo. Por isso, é comum entre gaúchos e nordestinos, por exemplo, empregar mais frequentemente o vocábulo bolacha. Esse uso surge como uma forma de autoafirmar a condição de marginalidade e, simultaneamente, buscar a cristalização de uma identidade local que possa, quiçá, fazer frente à cultura das regiões hegemônicas.

SMUB: Considerados a conjuntura política internacional, a atual crise econômica, o aquecimento global a crise dos mísseis de 62, fica a pergunta: você está satisfeito com as dimensões do seu abdômen?
Ah! Tenho pensado muito sobre isso, sabe? E é uma coisa que me inquieta: dizem os estudos médicos que a medida da circunferência abdominal é uma forma simples e prática de identificar pessoas sob risco cardiovascular. Dizem ainda que as populações diferem em relação ao nível de risco associado com uma circunferência abdominal em particular, de modo que não é possível desenvolver pontos de corte globalmente aplicáveis, embora a maioria dos estudos epidemiológicos em populações ocidentais situem o nível de risco entre 90 e 100 cm. Eu tenho 89 cm; logo, posso estar a 1 cm de um infarto. Mas, para melhorar a minha situação, apareceu agora um estudo do Hospital da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, terra de Hamlet e dos meus antepassados; portanto, é um estudo para lá de confiável. Esse estudo diz que pessoas com coxas menores – de circunferência inferior a 50 cm – têm o dobro de risco de morte prematura ou de desenvolver sérios problemas cardiovasculares. Tenho 60 cm de coxa, sou quase um “Homem Melancia”, e isso é bem capaz de ser a minha salvação!

SMUB: James Joyce foi reconhecido pela crítica postumamente e é notoriamente pouco lido. Paulo Coelho é um fracasso de crítica, mas com vendagens de milhões de livros, adaptações para o cinema, traduzido para dezenas de línguas e com fama mundial. Se você pudesse escolher, preferiria ser um James Joyce ou um Paulo Coelho?
Paulo Coelho, sem dúvida. Depois de morto, não vou poder comprar meu apartamento na Avenida Atlântica e nem um châteu nos Pirineus.

SMUB: Sabe-se que nos dias politicamente corretos em que vivemos, apenas os judeus podem contar piadas de judeu. O senhor gostaria de aproveitar a oportunidade e contar alguma pra gente?
Claro! Muito obrigado por essa chance de compartilhar o humor da brava gente judaica com os leitores do SMUB. Vou contar o que aconteceu quando Jacó chegou ao banco e foi falar com o gerente. Ele disse:
- Jacó querr um emprréstimo de R$1,00 por um mês.
- Mas Sr. Jacó, não podemos emprestar-lhe R$1,00. A quantia é tão pequena que não justifica a papelada necessária - responde o espantado gerente.
Jacó se mostra irredutível:
- Mas Jacó insiste. Jacó querr emprréstimo de R$1,00. Jacó serr bom cliente e merrecerr esta considerraçon".
O gerente é obrigado a consultar a direção do banco sobre o assunto. A diretoria considera que o Sr. Jacó, embora tenha suas manias, é um bom cliente e ordena que o gerente atenda o seu pedido, seguindo todos os trâmites de um empréstimo.
Assim, o gerente informa Jacó que o banco vai conceder o empréstimo e prepara toda a papelada, que Jacó assina com visível satisfação. Finalizada a papelada, o gerente informa a Jacó:
- Sr. Jacó, o Sr. está cient
e de que vai devolver ao banco, daqui a um mês, a quantia de R$1,10? Estamos cobrando juros de 10% ao mês.
- Não terr prroblema. Jacó devolver R$1,10. Jacó pagarr juro.
O gerente, constrangido, dá outra informação:
- Sr. Jacó, há uma exigência do banco. O Sr. precisa dar uma garantia em troca do empréstimo.
Jacó concorda prontamente:
- Clarro, clarro, deixarr a minha Merrcedes como garrantia. Tome as chaves.
Entregou as chaves da novíssima Mercedes ao atônito gerente, agradeceu o empréstimo, pegou um ônibus e foi para casa. Lá chegando, dirigiu-se, exultante, à sua mulher Sara:
- Sarra, Sarra, minha querrida! Agorra podemos viajarr sossegados. Jacó conseguirr estacionamento barratinho parra a nossa Mercedes: dez centavos o mês inteirro!

SMUB: Qual a sua cor favorita? O que acha do ocre? Tem algum preconceito contra essa cor?
Minha cor preferida é o verde, sem dúvida. Quanto ao ocre, acho um tanto sem personalidade e com ares de anacronismo, pois lembra muito as tonalidades das pinturas rupestres.

SMUB: O senhor é um dos mais contundentes críticos da invenção da identidade cultural do Rio Grande do Sul, e destaca os elementos da cultura tradicionalista gaúcha como nocivos em muitos aspectos, então o leitor quer saber: quantas vezes já assistiu aos filmes do Harry Potter?
Foram muitas. O primeiro eu vi umas 27 vezes. Pelo menos foi quando parei de contar. Aos demais assisti bem menos vezes. O último, inclusive, foi só uma vez. Mas, somando o número de vezes que vi cada um deles, deve dar algo em torno de 50. Algumas dessas vezes, eu assisti tomando chimarrão.

SMUB: Dentre as diversas expressões artísticas populares, destacam-se as artes performáticas de rua. Diga com sinceridade, o que o senhor acha dos mímicos e dos malabares?
Sobre isso, faço minhas as palavras do imorredouro Diogo Mainardi, ao comentar a tese de pesquisadores paraenses de que Fidel Castro teria nascido no Brasil: “Tudo o que é ruim tem um pé no Brasil. Procurando direito, a gente conseguiria encontrar a origem brasileira da peste negra, do efeito estufa, da seborreia, do teatro de rua, do imposto de renda.” É por aí. Mas eu não falaria só do teatro de rua. Eu estenderia esse comentário para as demais artes performáticas de rua, incluindo mímicos, fantocheiros, malabaristas e outras pragas. Eles são exatamente isso: primos da peste negra, parentes da seborreia.

SMUB: Todos sabem que a manga é uma fruta deliciosa, perfumada, versátil e de uma textura única, ainda assim o senhor a repudia com vigor. Por que tanta agressividade contra uma simples fruta?
Na verdade, eu vejo, na manga, um símbolo da dominação exercida pelas elites brasileiras sobre as camadas menos favorecidas, e essa aversão racional que sinto converte-se em asco físico. Por que eu vejo a manga dessa forma? Ora, basta lembrar a origem do dito popular “manga com leite faz mal”, mito fabricado intencionalmente na época do Brasil Colonial, quando o leite era bastante raro, e caro, exclusivo dos patrões, os senhores de engenho. Como eles não queriam que o leite fosse consumido por escravos, inventaram e espalharam a lenda, que sobreviveu até hoje. Restava, portanto, aos escravos se contentarem com os frutos das mangueiras, que, ao contrário do leite, eram abundantes nas grandes propriedades rurais. Ou seja: a manga é um arquétipo da dominação hierárquica, da escravidão, do exercício de poder. Sendo assim, não consigo ingerir tal alimento com a consciência em paz!... Está bem, admito: é tudo mentira. Não gosto de manga porque deixa “pelinhos” no meio dos dentes, e eu odeio chupar coisas que deixem pelinhos no meio dos dentes...

SMUB: O senhor gostaria de deixar alguma mensagem para os leitores do Só Mais UM Blog?
Leiam os meus livros, ou melhor, comprem os meus livros. Ah! E parem de comer carne!

7 comentários:

  1. A entrevista mais maluca que já li. Muito boa!! E vou colar a piada no meu blog =P

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  2. Uma entrevista de muita sensibilidade. Parabéns!

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  3. Caro Rafa:
    Tua entrevista é a coisa mais pirex que já li!
    Tão hilária que curou minha alergia crônica por
    blogs. Ah, feliz Ano Novo com atraso.
    Anonimus Gourmet

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  4. Perguntas e respostas muito boas. Parabéns ao blogueiro, que conseguiu arrancar do recluso autor a afirmação de que se considera "quase um Homem-Melancia". Hhhhmmmm...

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  5. chorei de emoção ao ler a resposta final :'(

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  6. Nao basta se emocionar, tem que comprar os livros!

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  7. O Rafael é um cidadão que gosta de "causar". É o que vejo na Internet. Seus livros eu não leio, porque não quero sofrer suas boas influências que imagino estarem todas lá. Prefiro acompanha-lo na Internet, onde ele dá pitacos politicamente incorretos que satisfazem minha índole má. Os velhinhos da ARL o adoram, porque ele satisfaz seus instintos reprimidos.

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