8 de dezembro de 2007

Lições de Shenkapur

Há alguns anos atrás, quando enfim deixei a confortável morada de meus pais no interior e vim para a cidade grande para estudar, sofri um choque grande, literalmente.

Aluguei um pequeno apartamento quarto-e-sala, próximo à universidade e, pela primeira vez, respirei a liberdade. Não foi simples sair de um colégio religioso, de educação rigorosa e rígidas normas de conduta, e me deparar com a falta de regras da vida no campus. Aproveitava os momentos sozinho para fazer tudo o que eu não podia fazer no meu antigo lar repressor: deixava roupas pelo chão, pratos com resto de comida embaixo da cama, ouvia som alto, bebia cerveja, fumava, etc. Mas havia algo que particularmente me agradava. Eu exercitava a minha maior alegria, aquilo que jamais poderia fazer em companhia de outros, aquilo que representava, mais do que todas as coisas, o pleno gozo das minhas liberdades, o símbolo máximo da minha rebeldia: eu andava pelado pela casa.

Não era um exibicionista, o prazer era de mim para mim mesmo, portanto fechava devidamente as janelas. Houve um dia, no entanto, que comecei a questionar meu comportamento. Estava lavando louça (atividade que procrastinava até os limites do fedor) devidamente despido quando...- Bom, aqui tenho que abrir um pequeno parêntese para explicar um dado importante. Como o apartamento era pouco espaçoso, os móveis tinham que ser pequenos. A cozinha era composta por uma diminuta mesa retrátil, e um conjunto compacto de fogão, mini-geladeira e pia, constituindo um móvel único, com largura de 90cm e altura de 71cm, dando um pouco abaixo da minha cintura. Fecha parênteses. Assoviava La gazza Ladra de Rossini quando a geladeira fez um clique e deu uma forte e inesperada descarga elétrica no meu órgão reprodutor, que por um segundo encostara no balcão. Não deve ter se passado mais que um segundo até que eu conseguisse me desgrudar do balcão, mas o susto foi grande, ainda mais tratando-se de uma parte tão importante para o nosso desenvolvimento com pessoa humana. Refeito da surpresa desagradável (só fui lavar a louça novamente três dias depois), comecei a refletir sobre o acontecido. Não teria eu passado do ponto na minha ânsia de buscar a liberdade? Não estaria pagando o preço por um excesso cometido sem necessidade? Uma resposta do cosmos, visando ao equilíbrio universal? Ou seria um castigo divino, uma forma de me punir pelos meus atos impudicos? Não contei a ninguém sobre o infeliz episódio e, semanas depois do acontecido, ainda cheio de dúvidas, confuso e transtornado, fui procurar meu mestre, o sábio Shenkapur Ravrishananda.

Bati na porta e ouvi sua voz tranqüila: “Entre, está abrida”(sic) (Dê um desconto, o cara é indiano) Entrei na sala e ouvi sons na cozinha, para onde segui. Para minha surpresa, ele fazia um refogado de abobrinha e berinjela com curry e estava completamente nu. Ao notar meu constrangimento, apenas olhou para baixo e disse: “Tsc, nada de mais..” Minutos depois, vendo que compartilhávamos gostos (o curry, a abobrinha e a prática de nudez domiciliar), senti que poderia me abrir e lhe contei a respeito do meu acidente. Também lhe falei sobre todos meus questionamentos internos que o incidente gerara. Ouviu o relato calado, movendo apenas as grossas sobrancelhas negras. Ponderou alguns instantes, olhando fixamente para um ponto no infinito, e finalmente falou, displicente:

“Chinelas.”

“Como, mestre?”

“Chinelas de borracha” Pausa. “Elas vão evitar o choque”

Fiquei boquiaberto.

“Aceita um refogado?”

Eu estava faminto, mas dadas as condições de preparo daquele alimento, gentilmente declinei.

Fui embora, e fiquei com mais uma de suas grande lições para a vida:

“Há que se abusar da liberdade, mas não do bom senso.”

Outra lição para os leitores: Se for me visitar, sempre ligue antes se não quiser ter uma surpresa. No caso, uma pequena surpresa.

2 comentários:

  1. KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

    Chinelas é a resposta sim !!!!!!

    Seu doido amado !

    Saudadessssss moço!

    Feliz 2008 pra todos nós e que o Werner me perdoe pelo não-sei-o-que.. kkkkkkkk

    Bjksss

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  2. Só pra tu saber q tem gente q visita sim! E que aguarda mais post ansiosamente :D heheheh
    rio demais com teus escritos..
    bjs!

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